O tempo havia corrido, isso eu não poderia negar.
As luas por assim dizer ... 70 grandes luas? Não, eram muitas mais.
Hoje me lembrei dos ensinamentos da casa branca - a segunda casa - ORHOS - entendi tanta coisa e acho que muitas outras deixei passar.
Algumas pessoas andavam com seus casacos e japonas e ponches brancos, suas roupas de pele de animal - o grande urso branco estava cansado de lutar contra o calor que sua pele provocava naqueles seres - ditos humanos.
Avancei um pouco mais entre curvas, me desviando dos montes de neve, branca, pesada, impiedosa.
minhas pernas não eram mais a mesma, mais meu ilô batia como antes.
Ageitei a manta nos ombros e segui andando, sobre o peso das minhas pernas e o peso dos humanos. Muitas coisa não era mais a mesma e meus olhos não escondiam isso. O brilho do novo, da plantação, as primeiras estradas e a descoberta dos cheiros vivos e crescendo ao redor, jamais esqueci.
Haviam construido o pórtico novo na cidade de Ancara - ninguem conhecia a minha Ancara e mesmo que eu ainda olhasse o céu todas as noites, mesmo que procurasse enxergar as três luas e me lembrasse até do cheiro do cabelo de Anael, essa Ancara eraa muito diferente de casa. A entrada norte sempre foi a minha preferida, com flores e vistas para a planície e as montanhas, havia vida crescendo alí.
As última guerras acabaram com a alegria e a vitalidade das mulheres. Muitos haviam derramado seu precioso líquido vermelho naquele chão e isso ficaria gravado para sempre nos olhos e na memória daquelas mulheres.
Sol após sol construimos fortalezas e a peste não pediu passagem, entrou como se fosse convidada de honra, lua após lua, plantamos, colhemos e agradecemos os rios, a terra, o vento e o fogo, em poucos mais de um piscar de olhos os murros eram derrubados, a vida arrancada e a terra queimada. Usavam uma energia contra a outra e matavam a terra como se dela fossem eternos donos.
Dhiel, aonde você está? Aonde eu estou? Nós, quem somos?
Pedaços haviam sobrado, apenas pedaços, ninguem e nada tinha parado em pé.
Ajoelhei e olhei aquele céu cinza, escuro, branco e Dhiel estava lá, bem a minha frente, sem seguer um movimento diferente, uma expressão que não me lembrasse.
È hora de mudar de encostar a carroça, cubrir a cabeça e descansar, outros continuaram, sua estrada apenas começou. Durma Zerafim, nos braços da relva e venha se encontrar comigo, é hora de ir pra casa.
Como um pássaro que anuncia a chegada e a partida, voltei meu rosto e adormeci, mas antes pude ver alguns dos meus correndo em minha direção, gritando o que não podia mais ouvir. haviam se passado 77 luas e eu teria de partir como cheguei, só, eu e os meus pensamentos, minha rosa no cabelo, minha pedra amarrada com 3 tiras de couro no pescoço e a minha moeda de bronze, forjada no fogo do outono, quando sua cor se confunde com a cor dos prados e planícies. Sentí a sandalha se desprender dos meus pés.
Conheceria o barqueiro, aquele a quem devo entregar a moeda. Ele chegou, é hora de partir.
Meu último pedido a Tomar - meu descendente mais velho, fruto do meu fruto: não me consagre ao fogo, me entregue a terra. Preciso estar inteira quando voltar a caminhar nas planícies e olhar as brancas flores que caem do céu. Preciso que a água me alimente e floresça em mim.
Mal parti e sentia saudade, do norte e de Ancara, a minha Ancara. Onde minha essência repousa e minha alegria brota. Meus olhos vieram comigo e meu sorriso permaneceu suspenso no céu...estou perto de casa.
Enfim conheceria a morte - a senhora da luz velada,
aquela que sempre me acompanhou em sonhos. Cabelos presos com flores e edras de um verde sem igual. A túnica azul, as vezes reluzia prata, as vezes ouro.
E eu, não me lembrava mais da cor dos meus cabelos, cor de galajin - cor de sol, cabelos de outono como ele me chamava ... onde ele estará? Medrel.
E num sopro, voltei a respirar...
zerafim